Alterações cognitivas são frequentes. Segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca de 50 milhões de pessoas apresentam demência. A Doença de Alzheimer (DA) é a forma mais comum de demência e pode contribuir com 60% a 70% dos casos.
Crises epilépticas estão presentes em pacientes com declínio cognitivo e demência. De 10% a 22% dos pacientes com DA desenvolvem crises não provocadas, com maiores taxas em casos familiares e de início precoce.
As crises habitualmente se iniciam após a instalação da demência, quando a relação é mais clara e facilmente explicada pelo processo neurodegenerativo. Porém, um fato interessante é que podem preceder o quadro em até quatro anos do diagnóstico.
Flutuações do comportamento, cognição e nível de consciência são comumente observados em pacientes com quadros demenciais na prática clínica. A possibilidade de que fenômenos relacionados a crises e atividade epileptiforme possam ao menos em parte explicar essas alterações tem ganho destaque nos últimos anos.
Crises podem ser mais difíceis de identificar em pessoas com demência, porque as manifestações motoras clássicas frequentemente não estão presentes e esse grupo tem maior limitação em relatar sintomas.
Nesse contexto, é muito frequente que apresentem confusão episódica, mudança comportamental, aumento da sonolência ou simplesmente fiquem um pouco diferentes do basal como manifestação da crise.
Potencialmente, a presença de atividade epileptiforme e crises recorrentes podem afetar ainda mais a cognição e promover declínio adicional.
Os peptídeos beta-amiloides (Abeta) fazem parte da fisiopatologia da DA e existem evidências de que fazem parte dos mecanismos que controlam a atividade sináptica (de comunicação entre os neurônios). O acúmulo patológico ABeta (característico da DA) leva a menor transmissão excitatória entre os neurônios, e padrões aberrantes de atividade do circuito neuronal, com descargas epileptiformes na rede envolvida. Estudos também têm associado a deposição da proteína tau (que também ocorre na DA) na patogênese das crises epilépticas, estreitando ainda mais a relação com as alterações cognitivas.
O eletroencefalograma (EEG) de rotina, realizado com duração de 20 a 30 minutos, tem limitações reconhecidas, mesmo em sua indicação clássica para a investigação de pacientes com epilepsia. Sabe-se que ele é capaz de mostrar alteração em 25% a 56% dos casos, com aumento da sensibilidade quando se fazem exames seriados, com mais duração, em sono e com métodos de ativação.
Estudos apontam que pacientes com atividade epileptiforme não percebida apresentaram declínio cognitivo mais rápido e intenso.
Esses resultados sugerem que a atividade epileptiforme não percebida pode ser mais comum na DA do que anteriormente reconhecida.
Existem algumas evidências de que o tratamento desses pacientes com queixas de memória e que apresentam atividade epileptiforme, fez desaparecer descargas no EEG em 82% dos pacientes, além de melhorarem a função cognitiva.
O tratamento com levetiracetam reduziu esta atividade elétrica aberrante e melhorou o desempenho da memória e do comportamento.
A detecção da atividade epileptiforme e crises epilépticas não percebidas pelos familiares ou cuidadores, ainda não faz parte da rotina clínica mas, baseados no conhecimento atualmente disponível, os médicos envolvidos no cuidado de pacientes com quadros demenciais que apresentem flutuações de comportamento, cognição ou consciência sem clara explicação, devem considerar fortemente essa possibilidade.
A monitorização por EEG prolongado é a forma mais adequada de detectar essas alterações, com registros de ao menos uma hora de sono.
Levetiracetam parece ser o fármaco mais interessante nesse contexto, porque, além do perfil de eficácia e segurança, pode ter papel na fisiopatologia das alterações envolvidas.
Fonte:
-World Health Organization (2007). Demnetia: Fact Sheet.
www.who.int/mediacentre/factsheets/fs362/en/
-Alzheimer's Association. 2018 Alzheimer's disease facts and figueres. Alzheimer's & Dementia: The Journal of the Alzheimer's Association. 2018;14;367-429. https://www.alz.org/media/homeoffice/facts%20and%20figures/facts-and-figures.pdf
-Amatniek JC, Hauser WA, DelCastillo-Castaneda C, et al. Incidence and predictors of seizures in patients with Alzheimer's disease. Epilepsia. 2006;47(5):867-872.
-Sanchez PE, Zhu L, Verret L, et al. Levetiracetam suppresses neuronal network dysfunction and reverses synaptic and cognitive deficits in an Alzheimer's disease model. Proceendings of the National Academy of Sciences of the United States of America. 201;109(42):E2895-2903.
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